segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

"VEM VIDA..." - Antônio Simões Júnior

Eu quero que a Vida venha
negra e crua,
despida de mantos bordados de fantasia,
e se esmague e entre
nos olhos nefelibatas
dos poetas de cabeleiras empoladas
e frases balofas, retocadas,
que ficam absortos a pensar...
a arquitectar moinhos de vento,
castelos de quimeras, mundos excepcionais,
de que foram reis outrora
numa ilusão que jamais findou.
Oh! Vida, vem,
e lentamente,
mas soberanamente,
mostra num deslumbrante infindo
os verdadeiros cenários da existência,
com crianças esfarrapadas nas esquinas
e gritos sufocados e lágrimas esmeriladas,
nas casas de telha negra, dos bairros tristes.
Vida,
aponta aos que primam em não ver,
em não querer compreender,
— aos que obstinadamente continuam
narcisos e fechados,
e de cujas almas não brota
qualquer amor que se sinta,
qualquer chama que se veja,
na ânsia da humanidade —
a esterilidade do seu destino ...
— «Eu ! Só eu ! O mundo sou eu...»,
gritam, ó Vida, os poetas nefelibatas ...
Nunca mais ó Vida, o grito do Eu,
lançado como um insulto,
aos quatros ventos.

In: Poemas Juvenis